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Precisamos falar sobre Ivete, Baby e a Teologia do Domínio.




Joscimar Silva*


Vocês conhecem Ivete e Baby como cantoras até melhor que eu. Mas a cena deste carnaval que recolocou Baby em evidência diz muito sobre outra coisa da qual precisamos falar: a teologia do domínio.


A cantora Baby do Brasil chamou atenção no Carnaval de Salvador após falar sobre Apocalipse em tom ameaçador em cima de um trio elétrico, discurso que lembra muitas pregações pentecostais. E, dada a cobertura midiática do famoso carnaval de Salvador, o discurso de Baby e a inusitada reação de Ivete Sangalo viralizaram como meme nas mídias digitais e virou conteúdo para a mídia tradicional. Mas por que isso é importante? 


Baby não é mais a "Baby do Brasil", mas a "Baby das Nações", como disse seu líder apostólico Renê Terra Nova (um Malafaia menos conhecido) há alguns anos. Baby agora é parte de uma coalizão apostólica global. Mas de que se trata?  


A coalizão apostólica global é um movimento que busca "restaurar" o governo apostólico, considerando todos os outros "chamados" ministeriais (pastor, profeta, mestre, evangelista) subjugados a um/a apóstolo/a.


Parece até inclusivo, já que as mulheres podem ser "apóstolas" (se comparado a outros segmentos evangélicos que não aceitam que as mulheres possam ao menos ensinar). Mas não. A "restauração" ou criação de rede de apóstolos trata-se um projeto maior de domínio. 


Primeiro um domínio sobre outros segmentos cristãos, com o alvo de colocar todos os cristãos sob a hierarquia dos "manto" apostólico. Há também um projeto de governo (mas não só político institucional), mas também de governo religioso, cultural, econômico, social. 


Baby, ou melhor, Apóstola Baby das Nações, agora trabalha no projeto de expandir a cultura gospel para os espaços não alcançados. Inclusive ela declarou isso em entrevistas quando voltou aos palcos, anos depois da sua conversão. 


Na perspectiva da Teologia do Domínio, à qual baby e a coalizão apostólica internacional se filia, a sociedade é constituída por "montes" sob os quais o conservadorismo cristão deve governar: igreja, educação e ciência, economia e negócios, governo, cultura e entretenimento. 


O carnaval, sendo a maior festa popular do Brasil, não iria ficar de fora dessa. Dentre outros aspectos, a guerra cultural marca a Teologia do Domínio, instruindo que as igrejas não devem mais fazer retiros, mas devem ficar e ocupar as cidades lutando contra os deuses carnavalescos. 


Quem acompanha o carnaval em Salvador e outras cidades de festas mais intensas já deve ter visto os "blocos gospel". Eles não querem aceitar a cultura brasileira, eles querem impor a "cultura gospel".  


Foi exatamente isso que vimos em Campina Grande, na Paraíba, onde um grande evento gospel conservador é realizado todos os anos na cidade (inclusive esse ano queriam trazer um pregador estadunidense defensor da escravidão). Aí o prefeito gospel tentou proibir o carnaval.


Baby não é uma chapada no puro suco de sincretismo no carnaval do Brasil. Aquilo foi programado, ensinado a milhares em congressos e grandes eventos com milhares de evangélicos, especialmente jovens. E se repetirá muito por aí, não só nas festas.


Falamos muito sobre a atuação evangélica nas eleições. Mas o carnaval nos ajuda a compreender as outras dimensões dessa atuação religiosa e é importante lembrar que ela não está deslocada de um projeto político. 


Para evitar generalizações, cabe uma ponderação. A Teologia do Domínio não é a que orienta todos os segmentos evangélicos. Muito pelo contrário, ela é uma importação relativamente recente que começou a ser difundida no Brasil nos anos 2000, primeiro entre neopentecostais, chegando aos pentecostais e hoje há núcleos (inclusive de formação) até entre tradicionais, onde há maior produção intelectual e teológica. 


Há entre diversas denominações, pastores, bispos e “apóstolos" uma rejeição ao projeto de domínio, onde as eleições 2018 fixaram balizas profundas na divisão entre o que chamo de projeto de “domínio" e missão de “serviço”, ou seja, sobre a compreensão de qual o papel da igreja: dominar ou servir. 


Mas essas diferenças no segmento evangélico, inclusive em termos culturais e políticos, são tão antigas quanto da presença evangélica no Brasil. Mas o período de 1964-1988 e 2014-2022 apresenta cisões politicas fundamentais. E não há entre evangélicos uma homogeneidade cultural de rechaça à cultura brasileira. Tanto é que você pode encontrar vários amigos evangélicos, inclusive líderes, que agora estão pulando carnaval sem nenhum projeto de domínio, só para confraternizar mesmo. A cultura e os grupos sociais não são estanques. 


Voltando à Teologia do domínio. O que afirmei acima não é nenhuma novidade para quem vive/viveu em igrejas neopentecostais nos últimos 20 anos, nem para os de igrejas evangélicas tradicionais e pentecostais que consomem o conteúdo do pujante mercado gospel do Brasil. 


Lembre-se disso quando ver um sinal…


Joscimar Silva é professor na Universidade de Brasília (UnB), cientista político e sociólogo, diretor de finanças na ABRAPEL e pesquisador do Grupo Opinião Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, onde cursou o doutorado em Ciência Política e coordena o Grupo Informação Pública e Eleições da UnB, pesquisando atualmente as narrativas gospel-conservadoras e seu impactos na opinião pública e na cultura política. E-mail: joscimar.silva@unb.br.

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